O ex-policial militar paranaense Emerson Rodes Marques, que foi apontado em um livro que narra o cotidiano de ricos e poderosos presos em uma ala para investigados da operação Lava Jato, é um dos quatro suspeitos presos no início do mês por tráfico de drogas no Porto de Natal. Emerson Rodes Marques, conhecido como Rodes, teve sua prisão em flagrante convertida em prisão provisória pelo juiz Federal Walter Nunes da Silva Júnior, titular da 2ª Vara Federal, na capital potiguar.
No caso de Rodes, pelo fato de ele ser ex-policial, o magistrado determinou que ele seja transferido para a carceragem da superintendência da Polícia Federal, em Natal. Atualmente, o ex-PM encontra-se na Cadeia Pública de Ceará-Mirim, na região Metropolitana da capital potiguar.
Porto de Natal e silêncio
Os outros suspeitos presos juntamente com Rodes no Porto de Natal, e que também tiveram a prisão convertida pelo juiz, são: Marcos Cezar Alexandre Pires Júnior, Lucas Farias Alboitt e Roberto Correa Pinheiro. O quarteto foi preso no dia 3 deste mês, ao tentarem ingressar no terminal marítimo da capital potiguar com um caminhão. No veículo, foram encontradas 238 quilos de cocaína. A droga, segundo a PF, seria embarcada para a Europa.
A prisão do quarteto aconteceu após uma investigação iniciada há um mês sobre uma movimentação suspeita de pessoas e vários veículos em um galpão localizado em Emaús, no município de Parnamirim, na Grande Natal. Um caminhão deixou o local e foi acompanhado por “batedores” e seguidos de perto pelos policiais federais.
O motorista recebeu voz de prisão e, do lado externo, próximo ao portão de entrada do Porto, os outros homens foram presos quando davam cobertura e esperavam o desembaraço da “mercadoria”. Além do caminhão, com eles, foram apreendidos, também, lacres de contêineres não utilizados e três carros, sendo dois, de luxo.
Ao serem conduzidos para a autuação na Superintendência da PF, todos os presos se recusaram a responder ao interrogatório e invocaram o direito constitucional de só falar em juízo.
Liderança e o mais temido do presídio
Pela sexta galeria do Complexo Médico Penal de Pinhais, a ala VIP destinada aos presos da Lava Jato no Paraná, passaram um ex-ministro-chefe da Casa Civil (José Dirceu), um ex-presidente da Câmara (Eduardo Cunha), dois ex-governadores (Sérgio Cabral, do Rio, e Beto Richa, do Paraná), um senador (Gim Argello) e alguns deputados federais. Estiveram lá também empresários poderosos, como o empreiteiro Marcelo Odebrecht, à época o nono mais rico do país, e Léo Pinheiro, acionista da OAS. Naquele presídio, porém, a liderança real estava nas mãos de dois detentos. O ex-policial militar Emerson Rodes Marques, e o ex-guarda municipal Kleverson Ávila Maia, o Batata. Ninguém, na sexta galeria de Pinhais, fazia algo sem pedir permissão a esses dois.
A narrativa acima foi publicada em novembro de 2019 na Folha de S.Paulo. De acordo com a reportagem, Rodes era o detento mais temido do Complexo Médico Penal. Ele foi preso por liderar uma quadrilha de policiais que assaltava cofres de empresas e bancos. Seu bando andava fortemente armado, usava fuzis e explosivos. O ex-policial é considerado um dos detentos mais perigosos do estado, isso segundo a inteligência das polícias Civil e Militar do Paraná e o departamento penitenciário estadual.
Batata também tinha uma ficha criminal robusta. Antes de ser preso, extorquia de contrabandista de cigarros a pequenos comerciantes. Era ameaçador e violento.
Aumentava a fama dos dois um episódio de 2014. Eles escaparam com vida do ataque de desafetos durante uma rebelião em outro presídio paranaense. Um grupo de criminosos armados de estiletes artesanais perseguiram Rodes e Batata pelos corredores da cadeia em chamas. Após lutas e uma fuga cinematográfica, os dois resistiram até o fim da rebelião. Foram então transferidos para o Complexo Médico Penal.
“A Elite na Cadeia – O dia a dia dos presos da Lava Jato”
A convivência dos presos da Lava Jato com criminosos perigosos é contada no livro “A Elite na Cadeia – O dia a dia dos presos da Lava Jato”, escrito pelo jornalista Wálter Nunes, repórter da Folha. A obra, da editora Objetiva, retrata o cotidiano na prisão dos principais alvos da maior operação de combate à corrupção do país.
As histórias se passam nas duas prisões do Paraná que abrigam presos da Lava Jato. Além da sexta galeria do Complexo Médico Penal, em Pinhais, também é palco de histórias do livro a carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, onde ficam delatores da operação, e a cela especial onde o ex-presidente Lula cumpriu pena.
O Complexo Médico Penal, conhecido pela sigla CMP, é um antigo manicômio judicial gerenciado pelo Governo do Paraná. O lugar tem capacidade para 659 detentos, com enfermaria, hospital penitenciário, ala feminina e seis galerias.
Em novembro do ano passado, a sexta galeria do CMP contava com 32 celas e era reservada para os presos enviados pelo juiz Sergio Moro, desde 2015, quando ele resolveu transferir políticos e empreiteiros que superlotavam a carceragem da Polícia Federal de Curitiba.
Quando os presos da Lava Jato chegaram à sexta galeria, encontraram lá detentos que corriam risco em outras penitenciárias. Eram ex-policiais, ex-agentes de segurança, estupradores e espancadores de crianças e mulheres, todos rejeitados pela população carcerária e que viravam alvo em rebeliões.
Emerson Rodes e seu vice, Batata, viviam na cela 632, a mais próxima do portão de acesso à sexta galeria. Para alguém entrar ou sair dali tinha que passar pelas vistas de Rodes e Batata. Isso, segundo os carcereiros, poderia significar mais segurança aos presos da Lava Jato, pois ninguém se atreveria a alguma loucura com Rodes e Batata no lugar.
Convívio arriscado
A reportagem de a Folha de S.Paulo conta ainda que, no início, o convívio entre os presos da Lava Jato e Rodes foi tranquilo, mas a estratégia pode ter sido um equívoco. Numa manhã, em meados de 2015, agentes penitenciários revistaram a cela de Rodes e Batata, enquanto eles estavam no pátio com os outros presos no banho de sol. Um carcereiro montou guarda no acesso à sexta galeria, e outros reviraram o cubículo. Havia a informação de que algo estava sendo tramado contra algum dos prisioneiros da Lava Jato.
Os agentes encontraram na cela o rascunho de um mapa que mostrava dois carros desenhados, saindo do aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais, até o Complexo Médico Penal, em Pinhais, ambas cidades da região metropolitana de Curitiba.
O desenho indicava os dois carros passando por uma pequena estrada de terra que dá acesso ao presídio e, nesse ponto, o rascunho apontava uma árvore caída, interditando o acesso de veículos.
Ao analisar o mapa, o então diretor do CMP, Roberto Saraiva, decidiu não arriscar um monitoramento direto dos dois criminosos para preparar um flagrante. Era muito arriscado, na visão dele.
Caso algo desse errado, seria uma tragédia. Um crime contra um preso famoso ou seu familiar teria uma repercussão imensa e deflagraria uma crise. Saraiva decidiu então transferir todos os ex-policiais, da sexta para a quinta galeria, longe dos presos da Lava Jato. Isso, concluiu, abortaria qualquer plano.
Segundo o livro, uma situação parecida com a descrita no rascunho do mapa de fato aconteceu. Numa sexta-feira, a mulher de Marcelo Odebrecht saiu de São Paulo e foi visitar o marido, no Paraná. Chegou ao aeroporto Afonso Pena e seguiu de carro até a pequena estrada de terra que dá acesso ao CMP.
Lá, seu veículo teve que parar por causa de galhos que interditavam a pista. Os seus assessores desceram e removeram o obstáculo. Naquele dia, seguiram sem problemas, mas desconfiados sobre os pedaços de árvore no meio da estrada.
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