O ministro Marco Aurélio Mello, do STF (Supremo Tribunal Federal), ignorou precedentes ao determinar a soltura de André de Oliveira Macedo, 43, o André do Rap. Líder do PCC (Primeiro Comando da Capital), ele está foragido.
Além de o caso não ter sido remetido a instâncias inferiores, como definido em julgamentos anteriores, a PGR (Procuradoria-Geral da República) apenas recorreu da decisão após tomar conhecimento da libertação do traficante.
Antes, ao julgar, no mês de agosto, um habeas corpus impetrado pela defesa de Jefferson Moreira da Silva, apelidado de Dente e outro acusado de integrar a facção criminosa, a 1ª Turma do STF entendeu que não caberia à corte examinar o pedido. A relatoria era também de Marco Aurélio. Ele foi voto vencido.
O ministro defendeu a concessão do benefício, sob o argumento de excesso de prazo na prisão do acusado sem condenação. Porém, ele perdeu por 4 votos a 1, e ficou isolado na turma. Prevaleceu a divergência aberta por Alexandre de Moraes.
Segundo o ministro, “o exaurimento da instância recorrida é, como regra, pressuposto para ensejar a competência do Supremo Tribunal Federal, conforme vem sendo reiteradamente proclamado por esta corte”.
A “instância recorrida”, naquele caso, era o STJ (Superior Tribunal de Justiça), que já havia negado o pedido de liberdade para o integrante do PCC. A decisão foi do ministro Rogério Schietti. A possibilidade de recursos no STJ não estava esgotada.
Atual presidente da STF, o ministro Luiz Fux acompanhou Moraes naquele julgamento da 1ª Turma. No sábado (10), foi Fux que revogou a decisão de Marco Aurélio de soltar André do Rap.
Naquele julgamento, ele abordou aspectos que extrapolavam a questão processual: “Peço vênia para divergir do ministro relator, porquanto a complexidade dos fatos e do procedimento, permitem seja ultrapassado o prazo legal da instrução processual”.
Após a concessão de habeas corpus de Marco Aurélio, André deixou a penitenciária de Presidente Venceslau (SP) na manhã de sábado.
Questionado sobre os precedentes, Marco Aurélio comentou que se pronuncia sempre com base em dados objetivos, retratados nos autos. “A lei existe para ser cumprida e observada”, disse ao defender a decisão sobre André do Rap.
A decisão de Fux foi divulgada na noite do mesmo dia. Desde então, a polícia não tem conhecimento do paradeiro do traficante. Para o ministro Marco Aurélio, Macedo estava preso desde o fim de 2019 sem uma sentença condenatória definitiva. Segundo ele, isso excede o limite de tempo previsto na legislação brasileira.
O parágrafo único do artigo 316 do CPP (Código de Processo Penal), incluído no pacote anticrime e sancionado em dezembro do ano passado, prevê a revisão da preventiva a cada 90 dias.
Com base no dispositivo legal, o ministro havia determinado a soltura no dia 2 de outubro, uma sexta-feira. Na terça-feira (6), o caso foi enviado para manifestação da PGR (Procuradoria-Geral da República).
O habeas corpus, então, foi distribuído na noite daquele mesmo dia ao gabinete do subprocurador-geral Alcides Martins. De acordo com informações da PGR, a análise do habeas corpus pelo integrante do MPF (Ministério Público federal) está dentro do prazo regulamentar.
No sábado, no entanto, houve uma reação à soltura. Diante da repercussão, o vice-procurador-geral, Humberto Jacques, então encarregado do plantão, decidiu agir.
Jacques apresentou ao Supremo uma ação para reverter a ordem concedida por Marco Aurélio. O instrumento usado é chamado de suspensão de liminar.
Coube a Fux tomar uma decisão. O ministro entendeu que não seria o caso de o STF analisar se a renovação da prisão havia sido feita porque o tema não fora analisado pelas instâncias inferiores O presidente do STF ressaltou que a prisão foi decretada em maio de 2014 e só foi cumprida em setembro de 2019.
Para Marco Aurélio, a decisão do presidente da corte de revogar o habeas corpus concedido ao traficante é “péssima” para o Supremo. O ministro afirma que a ação de Fux “é um horror”, “uma autofagia”. O caso gera mal-estar entre os ministros da corte.
No Congresso, um grupo ligado ao presidente Jair Bolsonaro e defensor da Operação Lava Jato articula a apresentação de projetos de lei para retirar do CPP o dispositivo que o artigo usado na decisão.
A decisão de soltura foi avaliada como desmedida e despropositada no Palácio do Planalto. Para auxiliares presidenciais, o ministro deveria ter ponderado que, neste caso, tratava-se de um preso de alta periculosidade.
Neste domingo, a ANPR (associação de procuradores) e o Conamp (associação dos membros do Ministério Público) refutaram, em nota, críticas feitas à atuação do MP no caso de André do Rap.
“No caso do traficante liberado, já condenado em duas instâncias, tanto o juízo federal e o membro do Ministério Público de primeiro grau quanto a Procuradoria Regional da República e o Tribunal Regional Federal da 3ª Região já haviam justificado a necessidade de manutenção de sua prisão preventiva”, afirmaram as entidades.
Segundo a nota, nas 5ª e 6ª Turmas do STJ (Superior Tribunal de Justiça), foi estabelecido que a obrigação de revisar a manutenção da prisão, a cada 90 dias, é imposta apenas ao juízo de primeiro grau ou tribunal que impôs a medida cautelar.
“Importa registrar, ainda, que a inobservância do prazo de prisão preventiva não tem levado à sua automática revogação pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça”, afirmaram ANPR e Conamp.
De acordo com as entidades, a posição de Marco Aurélio é isolada. “Quando do julgamento do mérito desses casos, a 1ª Turma do STF tem refutado o argumento e vem cassando as liminares deferidas.”
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