Relatório com "agenda de medidas" também foi enviado ao Conselho Nacional de Justiça, nesta semana, após série de ataques criminosos, em março. Complexo de Alcaçuz, no RN (Arquivo) Seap/Divulgação Um documento enviado nesta semana ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ao governo federal e ao governo do Rio Grande do Norte sugere uma série de medidas emergenciais no sistema prisional do estado, após uma série de mais de 300 ataques criminosos contra prédios públicos, veículos e comércios, em março. O relatório do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) apresenta apresenta oito sugestões, como a edição emergencial de um decreto de indulto para presos, além de regulamentação da saída antecipada e fim de racionamento de água nos presídios estaduais. Outros pontos defendem implantações de equipes mínimas de atenção à saúde, criação de gabinete ou observatório da crise penitenciária no RN, realização de uma força-tarefa das Defensorias Públicas e implementação do mecanismo estadual de prevenção e combate à tortura. “São medidas emergenciais, que, embora não solucionem as distorções estruturais do sistema penal, pretendem, de forma mais célere possível, oferecer uma resposta ao Poder Público”, afirma o criminalista Renato Stanziola Vieira, presidente do IBCCrim. “Não é possível a implementação de qualquer política de segurança em alas e pavilhões onde não há sequer espaço físico para que os presos possam viver e se movimentar. A ausência do Estado e de políticas públicas de desencarceramento, assim, fomenta que a tortura se torne prática corriqueira, bem como arregimenta diariamente novas fileiras para as facções prisionais, que passam a administrar e gerir a população prisional dentro das unidades, diante da inércia do Poder Público”, afirma. O governo do Rio Grande do Norte confirmou que recebeu o documento e está analisando as informações para se posicionar sobre o assunto. Os ataques de março foram comandados por uma facção que age dentro e fora de penitenciárias estaduais, de acordo com a polícia e o Ministério Público. Entre as demandas da facção, estava o retorno de visitas íntimas, suspensas desde o massacre de 2017. O Instituto lembra no documento que naquele ano o RN foi alvo de grande violência na sua maior unidade, a Penitenciária de Alcaçuz. 27 pessoas foram mortas em um massacre. Apesar disso, “mais de quatro anos depois, não houve a implantação de qualquer política pública hábil à retomada do controle Estatal do ambiente prisional e à efetivação de um mínimo de dignidade à população presa”, diz Bruno Shimizu, defensor público e diretor do IBCCrim. No relatório, a entidade afirma que a precariedade dos estabelecimentos prisionais e das políticas públicas voltadas à reintegração social, junto com constante ofensa aos direitos humanos das pessoas presas fomentou o surgimento e consolidação das facções prisionais, como forma de defesa dos apenados contra o Estado. O instituto levou em conta um relatório publicado em março pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), sobre o sistema prisional do estado. Fundado em 1992, após o Massacre do Carandiru, em São Paulo, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais visa contribuir para o desenvolvimento e a disseminação das ciências criminais no país, promovendo diálogos entre academia, poder público e sociedade civil. Sugestões Edição emergencial de decreto de indulto Segundo o instituto, não há racionalidade na manutenção de prisões por furtos ou crimes sem violência. De acordo com o documento, a busca de formas de reparação do dano seria medida mais satisfatória para a vítima e menos estigmatizante. "Recusar-se a tratar o indulto como política pública consistente e necessária à gestão da população prisional e correção das distorções estruturais do sistema criminal, constitui irresponsabilidade político-criminal", diz o documento. Ainda de acordo com o IBCCrim, em 2022 havia 89.427 pessoas presas no país apenas pelos crimes de furto e receptação, mesmo havendo alternativas penais para evitar a prisão. O documento ainda afirma que há uma ideologia "punitivista" que produz impactos no hiperencarceramento. "Nesse passo, sugere-se a edição de decreto emergencial de indulto, sem prejuízo da elaboração do tradicional decreto natalino, concedendo-se o perdão a todas as pessoas acusadas por crimes sem violência ou grave ameaça. Nesse caso, verifica-se que, por tratar-se de medida emergencial, não há razoabilidade na imposição de lapso para a incidência do decreto. No mais, sugere-se a previsão, no decreto de indulto, de comutação a todos os presos que estejam cumprindo pena em unidades que estejam acima de sua capacidade nominal", aponta o relatório. Regulamentação da saída antecipada De acordo com o relatório, diante da superlotação dos presídios, o Supremo Tribunal Federal já autorizou a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; entre outras medidas. No entanto, de acordo com o instituto, as medidas não são aplicadas pelos juízes. "Assim, uma vez que os instrumentos de gestão da superpopulação foram definidos pelo Supremo há mais de uma década, mas continuam a não ser manejados pelos/as juízes/as da execução, é necessária a intervenção do Conselho Nacional de Justiça, órgão com atribuição para a regulamentação, mediante Resolução, da forma procedimental de efetivação da saída antecipada e de outras medidas desencarceradoras", considera o documento. Implantação efetiva das equipes mínimas de atenção à saúde referenciadas pela PNAISP Segundo o relatório, os profissionais e a quantidade das equipes de saúde disponíveis para atendimento aos presos não correspondem ao previsto na Portaria Interministerial n.01/2014, do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça. Segundo o relatório, a política nacional, à qual o estado aderiu, prevê que a atenção à saúde no cárcere deve ser integrada ao SUS, com a constituição de equipes mínimas vinculadas à Secretaria de Saúde e não à Administração Prisional ou à Segurança Pública, para atendimento interno, sem prejuízo de atendimento externo em casos de média ou alta complexidade. "A referida política prevê, ainda, a composição mínima das equipes de saúde prisionais, bem como a existência de repasse de recursos para a composição, funcionamento e remuneração dessas equipes. Ocorre que, como aponta o relatório do MNCPT, diversos municípios alegam que não possuem meios de contratação de profissionais de saúde, deixando de prestar assistência à saúde aos/às cidadãos/às presos/as em seu território, muito embora, como é cediço, computem a população presa na base de cálculo dos repasses do Piso de Assistência Básica e da Assistência Farmacêutica", diz o relatório. Criação de gabinete transitório ou observatório da crise penitenciária no Rio Grande do Norte no âmbito do Ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos O IBCCrim afirmou que vê "com preocupação" a priorização à atuação de forças de segurança, como o acionamento da Força Nacional, sem a elaboração de um plano integrado de políticas públicas, visando ao enfrentamento da crise. Ainda aponta deficiência de fiscalização dos presídios locais pelos órgãos legalmente responsáveis. O instituto considerou necessária a constituição de um gabinete transitório ou observatório da crise penitenciária no Rio Grande do Norte no âmbito do Ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos, para elaboração diagnósticos e um plano urgente de atuação, bem como garantir transparência sobre a situação prisional local e políticas públicas a serem implementadas. O instituto ainda sugere que o gabinete monitore e divulgue a atuação local da Força Nacional, da Polícia Penal local, bem como das forças de segurança locais, apontando eventuais irregularidades e violações de Direitos Humanos. "Nesse passo, seria função desse órgão a solicitação de todos os relatórios de inspeção produzidos por outros órgãos responsáveis (MNPCP, juízo corregedor local das unidades prisionais, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública Estadual, Conselho Penitenciário Estadual e Conselho da Comunidade), compilando os dados e identificando quais órgãos têm falhado em sua atribuição legal de monitoramento e regularização do funcionamento das unidades penais". Constituição de Força Tarefa pelas Defensorias Públicas do Brasil para análise e postulação nos processos dos presos do Rio Grande do Norte O documento sugere ao Colégio Nacional de Defensoras e Defensores Públicos-Gerais a criação de Força Tarefa, com o deslocamento temporário de defensores públicos de outros estados da Federação, para atendimento de todos os presos do RN, bem como análise processual e postulação em todos os processos que contem com réu preso. "Ainda, sugere-se que a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte estude e delibere, por meio de seu Conselho Superior, a constituição de órgão ou núcleo especializado no monitoramento e na tutela coletiva (jurisdicional e administrativa) relacionada ao sistema prisional local", diz. Regulamentação, pelo CNPCP, acerca da assistência material e da proibição do racionamento de água Segundo o instituto, o estado tem desrespeitado regras nacionais e internacionais, ao violar direito à dignidade dos presos, com não fornecimento de água, energia e itens básicos de higiene e vestuário, documentado no relatório do MNCPT. "Chega a causar indignação que o relatório aponte que os presos de Alcaçuz não têm acesso a papel higiênico", diz o relatório. "Também causa espécie a descrição da forma de racionamento de água nas unidades prisionais. Na Penitenciária de Alcaçuz, constatou-se: o acesso à água é franqueado apenas três vezes ao dia, pela manhã, tarde e à noite. A duração varia entre 20 a 30 minutos e esta água é destinada a: ingestão, higienização das roupas, das celas e higiene pessoal", diz o documento. Desse modo, o instituto sugere-se, a partir de estudos técnicos, a elaboração de Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) acerca dos padrões quantitativos e qualitativos de assistência material, com proibição do racionamento de água e energia, previsão de necessidade de sistema de aquecimento da água para banho e parâmetros técnicos quantitativos e qualitativos para alimentação dos presos. Constituição e efetiva implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio Grande do Norte O instituto afirma que, embora o Rio Grande do Norte conte com um Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, não tem um mecanismo independente com a responsabilidade de realização de inspeções e elaboração e divulgação de relatórios. "Na constituição do Mecanismo Estadual, seja por lei estadual, seja pela via de decreto, deve-se prever, obrigatoriamente, a independência dos peritos, que devem ser escolhidos a partir de análise técnica e curricular pelo Comitê Estadual, enquanto órgão colegiado com representação ao menos paritária da sociedade civil organizada, garantindo-se mandato aos peritos do Mecanismo. No mais, deve-se garantir a participação do Ministério da Cidadania e dos Direitos Humanos na criação do Mecanismo Estadual, a fim de que sejam avençadas as atribuições e as formas de articulação e intercâmbio com o Mecanismo Nacional e demais órgãos federais", recomenda o relatório. Fiscalização, pelo MNCPT, das unidades prisionais de mulheres no Estado do Rio Grande do Norte Por fim, o Instituto Brasileiro também recomendou que inspeção nas unidades prisionais femininas e demais estabelecimentos de custódias de mulheres no Rio Grande do Norte "Como é cediço, há diversas especificidades quando se trata do encarceramento de mulheres, tendo-se em vista o patriarcado estrutural que as relega a principais provedoras do lar e encarregadas normalmente exclusivas ou prioritárias das funções de maternagem. No mais, ainda há especificidades no atendimento à saúde e à prevenção de doenças, bem como a atenção específica a gestantes e lactantes e presas em alas materno-infantis. Para além disso, há questões vinculadas à garantia de dignidade menstrual, como o fornecimento de absorventes íntimos ou coletores. Por fim, quando do encarceramento de mulheres, é mais comum o abandono pelo companheiro ou pela família, com a ruptura dos laços familiares, a demandar políticas públicas de assistência social efetivas", diz o relatório. Veja os vídeos mais assistidos no g1 RN
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